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Mostrando postagens de março, 2016

Tom

Minha alegria era esperar pelo fim do dia, sentar na cadeira que rangia do bar e encontrar meu bom e velho amigo Tom. Ele sempre estava lá quando eu chegava, o cabelo bagunçado, os olhos vagos olhando para lugar nenhum, olhando para dentro de si, com os ombros caídos, cansados, esperando que o dia acabasse, assim como eu esperava que o dia acabassem também. Sentava ao seu lado, nos cumprimentávamos rapidamente e fumávamos um cigarro. Gastávamos o fim da tarde sem dizer nada, apenas compartilhando o cansaço da vida, em silêncio, brincando com a fumaça do cigarro. Era quase como paz. Por alguns minutos.   Ele pensava na vida e eu pensava nele. Ao anoitecer, eu o abraçava e íamos embora. O abraço era quase como um agradecimento pela companhia e, secretamente, um pedido silencioso para que ele não fosse. Mas ele sempre ia, eu o via indo. Ele nunca olhava pra trás.

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" Havia uma possibilidade em sete bilhões de ser ela. E foi. Aconteceu com ela. Por quê? O que ela tinha feito para merecer? Por que ela? " Após escrever e finalmente conseguir dar início a sua história, Alice levantou e deitou-se no sofá. Pensou no que escreveu. Pensou e se sentiu extremamente egoísta. Por que, afinal, não seria ela? Por que teria que ser outro alguém? Achou que se julgava especial por pensar assim - mas tinha convicção de que não o era. O que havia de diferente entre ela e qualquer outro, que somente ela não poderia sofrer? Ela e aquela senhora ao seu lado no ônibus tinham a mesma chance, naturalmente, de sofrer e de sorrir. Chance não. Tinham o direito (porque nem todos tem realmente a chance). Sofrer não a fazia infeliz nem distante de qualquer outro ser. Levantou-se, riscou novamente o que havia escrito e, como se não bastasse, amassou a folha. Escreveu: "Assim como todos os outros, assim como qualquer outra pessoa, Nina teve

Culpa

Deito-me às 3h. Às 6h me levanto, não consigo dormir. Se o perdão pertence ao Céu, a culpa certamente pertence ao Inferno. Preparo o café que não tem gosto junto com uma comida sem sabor para um corpo sem fome, piloto automático da rotina. Em cada lugar que sento, há um espinho dessa culpa que espeta. Quando ando, o espinho está no pé. Quando me visto, está no espelho. E lá estou eu diante de mim. Sou eu. Fui eu. Às vezes me esqueço disso. Me divirto, é claro. Fico feliz, sorrio, abraço, ninguém nunca perceberá. O problema, meu amigo, é quando não há nada pra me distrair, pra fazer esquecer. Não há barulho da televisão que abafe. E lá está o bicho, o monstro, a maldição. Lá estou eu.