Põe seu melhor vestido e o sapato mais confortável, o seu bonito sorriso
e a maquiagem nos olhos. Levanta a cabeça, mas não alto demais, só
levanta o suficiente para enxergar as coisas como ela realmente são. Ei
menina, somos um grão de areia, nossos problemas também são, não dê
tanta importância a isso. Você é jovem e bela, mostre-me se você sabe
dançar, não há música, só a batida dos nossos corações. Venha, me mostre
um caminho novo para trilhar, eu não tenho medo de me perder. Você tem?
Mas não estará sozinha. Tá comigo tá com Deus. Cuidado, o chão tá
molhado! Você escorregou? Haha, você é tão boba. Me dá a mão, eu te
ajudo a levantar. Isso é sangue no seu braço? Cadê, me deixa ver. Não
seja tímida, me deixa ver. Haha! Tá, não rio, desculpa. A queda foi tão
feia assim? Sim, eu sei, não precisa gritar comigo, eu prometi cuidar de
você, mas não fazia parte da promessa te impedir de cair. Agora sim é
minha hora de cuidar. Eu vou limpar sua ferida e fazer um curativo. O
que? Claro que sei fazer curativos, não seja boba. Quer dizer, eu acho
que sei. Sempre fiz os meus, posso cuidar das suas feridas também. O que
é isso nos seus olhos? Você tá chorando? Calma, foi só um arranhão,
você dramatiza tudo. Tá, eu sei que dói, mas vai chorar toda vez que
cair? Vou te derrubar até você aprender a ser forte então. Calma, é
brincadeira, não vou. Mas bem que merece. Eu falei para colocar um
sapato confortável, não falei? Você veio de salto alto! O caminho é
longo, temos muita coisa para descobrir e você usa algo que te machuca
só para ficar mais bonita para os outros? É para os outros sim, fica
quieta. Bem, vem, sobe aqui, eu vou te carregar até em casa. Não me
incomodo, é sério, eu disse que iria cuidar de você. Para de besteira,
eu te levo nos braços, é um prazer. Mas se recupera logo, porque temos
muita coisa para descobrir e um caminho imenso para trilhar, não perde
tempo chorando por um arranhão, sim eu sei que ele dói, mas se recupera
rápido tá? Você é linda demais para perder tempo com um grão de areia.
Sobre a lua e outras coisas
A lua rotacionava ao longo da madrugada, do lado direito ao esquerdo da minha janela. Alguns dias, bem visível; alguns dias, invisível, mas sempre rotacionando, assim como aquele ponteiro menor. As horas iam morrendo ao longo da madrugada, eu vivia os seus segundos sentindo àquelas coisas inomináveis. Pela manhã, tentei nomeá-las no caminho do consultório, endereçando à minha amável analista. Treinei falar: nas noites, sinto “oco”, “abandono”, “vazio”, “medo”, “temor”, “inadequação”, “desespero”, “abandono”, “isolamento”. Quando ela abre a porta, pontualmente às 9h30, abandono todas as palavras ocas e inadequadas, desesperada pelo temor de que minha analista me abandone frustrada por eu não me curar jamais da minha melancólica repetição. Deixo isso para lá e relato as preocupações vazias de um cotidiano conturbado de episódios maníacos, onde sou explosiva – no intervalo das 8h às 22h. Após o dia, às 23h, retorno ao isolamento, junto à lua, com medo da noite que morre.
Temos que nos valorizar, isso sim. Beijo
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