Morrer dói?
Não é preciso dor para
se matar. Não é preciso uma vida longa e difícil para querer acabar com tudo de
uma vez. Às vezes se tem amor, carinho e juventude e ainda assim se quer
morrer. A mente humana é incompreensível, por vezes. O lugar que controla todos
os nossos sentimentos – que dizemos assim tão certos que é o coração – se
mostra imperfeito e perde todo o controle, perde o fio principal. E então, esquecemo-nos de outras coisas importantes,
tudo gira em torno de nos curarmos, seja encontrando alguém que nos tire desse
rumo, alguma coisa para depositarmos esses sentimentos estranhos. Só queremos
encontrar algo ou alguém que nos controle novamente ou nos dê alguma
explicação romântica para sermos assim tão descontrolados. Por mais que isso
seja difícil – encontrar e conviver - ainda se quer viver, para ver, afinal,
onde vai dar toda essa história. Mas e quando não se tem nada? E quando o dia se
torna tão semelhante ao anterior que perdemos a capacidade de ver os pequenos
detalhes que diferenciam um dia e de outro? E quando um sorriso de um estranho, o som da
natureza, a beleza do céu já não nos encantam mais? Não há nada que nos tire
desse estado de calmaria, nos balance um pouco, nos tire do sério e
traga sorrisos ou lágrimas, tanto faz. É melhor sentir dor do que não sentir
nada. Eu sei, parece tolice. Que me desculpe o mundo. Eu entendo, há tantos
piores do que eu, sem comida, amor, sem saúde e atenção e ainda lutam todos os
dias apenas para sobreviver. Que me perdoem pela injustiça das minhas palavras,
que me perdoe pai e mãe, mas viver já não me encanta mais. Já fui feliz, já sofri, já cresci o bastante
para perceber: os dias serão iguais, na minha vida, assim sucessivamente até o
dia em que as doenças irão aparecer, a beleza acabará, as razões se perderão e toda a minha história se tornará uma grande
decepção e a morte chegará de fininho, cada dia mais certo de que virá, cada
dia mais lento. Prefiro, então, acabar no hoje e deixar que minha certeza
torne-se um mistério que eu nunca fui capaz de desvendar.
(Carta de Verônica, antes de morrer)
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